1982/83: Casa Arquiepiscopal de Mariana

Arquitetos: Sylvio E. de Podestá, Éolo Maia e Jô Vasconcellos
Local: Mariana, MG.
Projeto: 1982/83
Obra: 1983/87
Área terreno: 800,00m2

A obra, implantada na praça de uma das mais antigas cidades de Minas tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, fica ao lado do casario e de igrejas coloniais.

O entorno, por si só, ressalta o encontro do novo com o antigo o que sempre é delicado e polêmico; mais delicado e polêmico se acreditamos que a coexistência de um com outro deve ser instrumento a serviço de uma moderna configuração espacial e urbana.

“Diversas posições, análises e colocações estéticas, filosóficas e mesmo políticas são contraditórias e ao mesmo tempo consonantes. A herança arquitetônica não deve ser um dado estático, mas um corpo vivente em crescimento contínuo.

A praça onde está implantada a obra é rica pela proporção das construções e seus vazios. É contínuo sem ser monótono, pelas alturas variadas dos sobrados, suas gradações cromáticas e pelo ritmo das aberturas.

Depois de vários estudos, propusemos um volume que é parte integrante do conjunto, com leitura atual, possuindo qualidades construtivas contemporâneas, sem ferir o existente. Assim, a relação entre o novo e o velho seria o equilíbrio de uma inserção criteriosa que preserva o espaço urbano”, escreveu à época Jô Vasconcellos.

Essa volumetria compreende os seguintes níveis: pavimento semi-enterrado (garagem, serviços e capela), primeiro piso (hall principal, auditório, recepção, refeições, cozinha, biblioteca, clausto, estar e jardins) ocupando a área periférica da quadra e um segundo piso (quartos e biblioteca privada) ocupando apenas a ala do quadrilátero frontal da praça.

Os ritmos dos vãos estão de acordo com a proporcionalidade dos cheios e vazios da cidade. Um pátio interno amplo e generoso complementa internamente a construção.

Para melhor entendimento de todo o processo entre o projeto proposto e a obra, descrevemos abaixo seu histórico.

Cronologia

1.  É oferecido a dom Oscar de Oliveira, arcebispo de Mariana, um projeto “colonioso” para a sua nova morada em terreno não construído da praça Gomes Freire; a proposta, prontamente deplorada por dom Oscar, também não foi aprovada pelo SPHAN.

2. O SPHAN, através do seu diretor regional, convida o arquiteto Éolo Maia, para projetar a nova casa, que forma equipe com Jô e Sylvio.

3. Após várias visitas e discussões, começam os estudos. Depois de cinco tentativas e várias modificações impostas pelo SPHAN,
conseguiu-se um que atendia a dom Oscar e ao Patrimônio (diretoria de Ouro Preto), sendo o projeto aprovado pela prefeitura de Mariana. A diretoria nacional do SPHAN discorda e sugere a dom Oscar a reforma de um antigo seminário, em substituição à construção do novo prédio. A proposta não satisfaz ao arcebispo, que desejava um prédio condizente com suas atividades e guardas. Afinal, durante toda a sua gestão havia morado num anexo de igreja, onde mantinha biblioteca com exemplares de grande valor (alguns, acreditamos, daqueles que influenciaram Aleijadinho na sua formação, quando fez a releitura das ilustrações que tanto admirou, gerando a sua grande obra). Além disso, tinha sob sua responsabilidade um grande acervo relativo à música barroca, formado por partituras, inúmeros instrumentos e caixas de músicas.

4. Iniciam-se as obras. O levantamento tinha erros. Mantivemos a esquina como ponto zero e a rua da praça que, no local, era 70cm mais inclinada do que a indicada no levantamento, fez com que a cumeeira, na divisa com a construção vizinha, ficasse 70cm mais alta do que no projeto aprovado.

5. A construção continua até o engradamento do telhado, quando é embargada. Causa: a altura da cumeeira argumento que, do nosso ponto de vista, não invalidava o projeto. A apresentação de fotos de situações vizinhas, com soluções semelhantes a rua em declive, não foi recebida como prova convincente pela diretoria nacional. Era necessário refazer tudo. Mas não foram sugeridas formas de resolver o impasse; e como não havia um relato oficial da causa do embargo, não havia também forma de defender o projeto.

6. Durante o período, começam a aparecer críticas de vários setores da sociedade local, sugerindo soluções. Uma delas: copiar, de maneira pura e simples, as casas de antigamente; outra, demolir o que já estava feito e deixar o espaço vazio como antes; e por aí vai. Os cronistas, por seu lado, escrevem sobre o “monstro da praça”; os manifestantes da Universidade Federal de Ouro Preto fazem passeata com grande barulho. Enquanto isso ocorria, os arquitetos (autores do projeto) em nenhum momento foram procurados para fornecer maiores informações sobre o conceito adotado para o projeto contestado.

7. Três anos durou o embargo. A casa virou ruína. O SPHAN propôs a criação de uma Comissão Nacional, formada por arquitetos de vários estados, para estudar o caso. Os componentes da Comissão foram os primeiros a ouvir os autores e analisar o assunto como profissionais.

8. Resolve-se o seguinte: demolição e rebaixamento do beiral de concreto armado, como queria o SPHAN com o intuito de eliminar o desgaste político do órgão, mesmo que tal desgaste não se justificasse; fica pendente a resolução sobre as quinas em aço SAC 41, que seriam posteriormente analisadas.

9. A obra é retomada após a demolição e a reformulação das medidas e proporções originais.

10. Faltando um ano e meio para a aposentadoria de dom Oscar, a casa é inaugurada.

11. Começa uma nova batalha. Revistas, jornais, entendidos, desentendidos, quase ninguém gosta da casa. Sobra crítica e falta informação, pesquisa, conhecimento de soluções semelhantes. Repetimos, sempre: não se faz cópia do passado, não se conta a história das praças e das cidades construindo imitações, disneyworlds; a isso, contrapomos um projeto feito com critérios simples e universais de inserção, respeitando o passado, representando o presente e legando nossa visão ao futuro.

12. Dom Oscar se aposenta. O novo arcebispo reclama do que seria caso a palavra fosse dicionarizada a “potentosidade” da casa, talvez acreditando que aquele local espantaria os fiéis. Alegamos, em troca, que as igrejas sempre foram a expressão do poder com muito incenso, ouro e mirra e no entanto, mesmo assim, nunca espantaram os fiéis.

A casa continua sendo utilizada para o objetivo pretendido, não sendo mais lembrada como agressão ao patrimônio, nem monstro da praça.
Na verdade, o crítico e arquiteto gaúcho Eduardo Comas elegeu a obra como um dos projetos mais importantes da sua década, dentro do panorama da arquitetura brasileira.

Muito turista anda por ali tirando foto na sua frente, guardando mais esta lembrança de Mariana. Lembrança da Casa do Bispo.

E ela continua ali, envelhecendo com as outras.

A arcada da praça está completa.

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