Capa
Desenho: Oscar Niemeyer / “Lay-out”: Álvaro Hardy, Paulo Laender e Sylvio de Podestá
Expediente
Ano |0 — nº 1 -— novembro/dezembro de 1979.
PAMPULHA – revista bimestral de arquitetura, arte e meio ambiente é uma publicação de Caminho Novo Empresa Jornalística e Editora Ltda. e Panela com a colaboração do IAB-MG.
Equipe editorial: Álvaro Hardy, Ana Maria Scmidt, Eduardo Tagliaferri, Éolo Maia, Francisco Moreira de Andrade Filho, Herbert Teixeira, José Carlos Laender, José Eduardo Ferolla, Mauricio Andrés Ribeiro, Miguel Vorcaro, Nathan Rosembaun, Otávio Ramos, Paulo Laender, Reinaldo Guedes Machado, Ronaldo Masotti Gontijo, Sylvio Emrich de Podestá, Uziel K. Rozenwajn, Victor de Almeida.
Colaboradores: Ana Beatriz Campos, Carlos Álexandre Dumont, Freuza Zechmeister, Luiz Antônio Fontes de Queiróz, Marcus Vinicius Meyer, Mariza Machado Coelho, Paulo Grecco, Rogério Franco, Sandra Nankran Saul Vilela, Thais Cânfora, Thales Siqueira. Altino Barbosa Caldeira, Jô de Vasconcellos.
Diretor responsável: Alvaro Hardy
Jornalista responsável: Regis A. D. Gonçalves (reg. prof. 1848)
Índice
///Editorial
Reafirma seus princípios de mais de quarenta anos de arquitetura, coisa que considera secundária. Disse que “a arquitetura está desaparecendo, os arquitetos querem hoje é faturar”. Mas ele procura manter o mesmo espirito, o amor pela coisa, como tinha a arquitetura em Pampulha: a liberdade de
formas, a coragem””. Entretanto, preferiu à entrevista gravada enviar um texto inédito que seria publicado na Módulo, Metamorfose, e presenteou-nos com o desenho da capa.
///IAB-MG
Informativo do órgão de classe
Abre as portas com humor e informalidade inesperados para compartilhar suas recordações, refletir sobre o presente e manter sua fé na “consciência do fato artístico como manifestação normal de vida”. Quase duas horas de gravação, conversa tão franca e modesta sobre as coisas da vida que procuramos em nada alterar o sabor da linguagem empregada.
Juntamos ainda introdução de escritos de 1930, marco no pensamento da arquitetura brasileira. Editados pela primeira vez em 36, na Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal, RJ, mas de surpreendente atualidade.
///Arquitetura em Minas após 60
Conseguimos reunir mostra compacta do trabalho de 36 arquitetos mineiros, mais de 150 projetos, coisas que aconteceram nesses últimos dez anos.
///Tapume
Seção permanente para publicação de textos e projetos dos futuros arquitetos
///Aviso prévio
Informação rápida sobre arquitetura, artes, meio ambiente e outras manifestações da cultura local e nacional.
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Editorial
Quando se acredita estar esvanecendo a presença nefasta de tempestades e períodos brumais a que nos vimos envolvidos, pouco a pouco restabelecem-se as comunicações. É saber quem sobreviveu. Inicialmente tímidas mensagens, receosas, mas por isso mesmo carregadas da emoção do começo.
Mas porque Pampulha? coisa já de quase quarenta anos, pra quem pretende recomeçar, ver O que há agora? Não é por bairrismo, embora possa ser: afinal está lá bem naquilo “nem minas, nem geraes”, como entendia o Guimarães Rosa; nem altas pretensões, mas Pampulha é internacional, é JK, porque não?
Mas é principalmente a atitude, o indivíduo, despojada e corajosamente propondo para a comunidade, seja Villard de Honecourt, Brunelleschi, Gaudí, Corbusier, Niemeyer, tantos outros que não se limitaram a pensar, discutir, mas construir a utopia. A utopia da utopia, nossa sociedade, o palco disto.
Não se trata de ouvir estrelas, mas de como não perder o senso, em vias da perda gradativa, da última perda, Pindorama, nossa natureza. É isso um jeito de começar nessa rodada de década: recomeçando a conversa onde foi cortada, com o constrangimento do amigo há muito não encontrado, quando qualquer resposta é pergunta. Por isso recomeçamos. Primeiro criar o lugar de encontro, um reduto para a “contribuição nativa” escondida nas dobras dessas montanhas, muros “intra-muori” dessa terra tão diversa.
Marginalização, adesão, conivência, omissão? Todos os que sobreviveram não têm cara de culpado. Mas e a terra? o sonho, inevitavelmente necessário vinte anos atrás, repentinamente acabado? Não se tem mais aquela fé no futuro pelos caminhos até então. O sentimento, depois a memória, finalmente a paisagem, nosso chão, sucumbem aos pacotes. Primeiro o ouro, depois o ferro, depois o couro?
Quando tudo é obsoleto, mesmo a vida, ridiculamente tentamos restabelecer as comunicações com os demais que repararam, nesses anos, o que mudou nessa terra, sua cidade. seu ser.
Depoimento Oscar Niemeyer
Metamorfose
… Sou um sujeito comum, que faço meu trabalho, que me agrada, tenho a coragem de fazer o que gosto. Não tenho preocupação com a critica e não dou importância ao que faço, pois não sou cretino ; tem coisa mais importante que a arquitetura,a luta política, que representa a luta também pela arquitetura, é mais importante.
Quando a arquitetura contemporânea surgiu, lá pelos anos 20, tudo se modificou e um mundo de formas novas parecia surgir, criado pelo homem e pela técnica do concreto armado. As paredes que sustentavam os prédios foram eliminadas cedendo lugar à estrutura independente e à fachada de vidro. E a nova técnica, ao contrário dos métodos anteriores, das estruturas metálicas inclusive, abria caminho para um vocabulário plástico mais rico e imprevisível.
Surgiu o grupo Stijl na Holanda e os primeiros esboços que apareciam — Talline, Nisizky, Melinkov, Serifinov e muitos outros, prenunciavam o vão maior, os balanços espetaculares, os grandes espaços livres. Gropius, Mies Van der Rohe e Le Corbusier assumiram a liderança, e uma arquitetura otimista e inovadora anunciava o mundo de amanhã.
Nada disso aconteceu. Retilinea e limitadora, como que nascida da Bauhaus — “o paraíso da mediocridade”, como dizia Le Corbusier — a nova arquitetura estabeleceu “a priori” seus dogmas e princípios, e com eles se perdeu na repetição e na monotonia. O funcionalismo que sempre existiu, desde os primeiros abrigos construídos pelo homem, assumiu outra dimensão e indiferente à graça e à beleza, que constituem a própria arquitetura, recusava tudo que as necessidades estruturais dispensassem ou fugissem às funções externas ou internas dos edifícios.
Os projetos se faziam frios e repetidos e a arquitetura elaborada de dentro para fora, como se fosse apenas um resultado e não a procura da criação e da beleza na arte de construir.
É claro que nem todos pensavam igual: “forms and function are one”, dizia Frank Lloyd Right. Mas, a maioria defendia o funcionalismo, o racionalismo, o construtivismo, o “ângulo reto”, o “less is more”, etc. e limitados pelos princípios estabelecidos, os arquitetos se adaptaram à nova ordem, e a idéia de debruçar na prancheta a procura do espetáculo arquitetural foi posta de lado como coisa fora de época, da época maquinista que pensavam exprimir.
Funcionalismo
A arquitetura mais “simples”, mais “ligada ao povo”, “despojada” como alguns sugerem, denuncia apenas desinformação e oportunismo.
E o funcionalismo se impôs, com seus dogmas de falso purismo, purismo que os meios de comunicação e os próprios críticos de arquitetura aplaudiam equivocados. A forma diferente, o ornato, o claro-escuro, a terceira dimensão, a fachada rica e trabalhada, foram afastados como representantes de períodos superados, de mão-de-obra artesanal e dispendiosa, impossíveis de se manter.
E os prédios, os grandes cubos de vidros começaram a se multiplicar, vulgares de tão repetidos, incapazes de despertar atenção e entusiasmo. Os grandes espaços livres, os balanços surpreendentes, a arquitetura revolucionária tão anunciada não se concretizou. Com certa mágoa os arquitetos abriam os livros de arquitetura, atraídos pelos grandes exemplos do passado, tão ricos de ensinamento, de beleza e fantasia.
E ninguém protestava contra a limitação que o funcionalismo exercia, recusando a liberdade de formas, generosamente oferecida pelo concreto armado.
Contestação
Quando projetei Pampulha tudo isso me ocorria. Guardava dentro de mim o que mais tarde desabafei, desinibido: “Não é a linha reta que me atrai: dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva leve e sensual, a curva que encontramos nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida.” A ideia de uma arquitetura mais livre e imprevisível, se fixou definitivamente no meu pensamento.
E Pampulha surgiu com as curvas da Capela de São Francisco provocando surpresa e a marquise da Casa de Baile a penetrar, sinuosa, nos espaços exteriores. Numa posição defensiva eu explicava habilmente que elas decorriam do programa, da técnica construtiva, etc., quando na realidade, eram apenas as curvas que me atraiam. O impacto que poderiam criar no mundo arquitetural conformado e inibido em que vivíamos.
Pampulha foi um sucesso. De Lúcio que a visitou, recebi este telegrama: ”Pampulha é uma beleza.” De De Roche, 20 anos depois, em Paris, esta declaração reveladora: “Pampulha foi o grande entusiasmo da minha geração.”
Poucos se insurgiram contra a liberdade de formas que sua arquitetura apresentava. Mas depois, quando ela se multiplicou, livre e criadora, muitos se alarmaram. Sem surpresa os ouvia, compreensivo diante do desafio que provocava, habituados às fórmulas fáceis e repetidas do funcionalismo. E como a competição profissional existe, contra a liberdade plástica eles se manifestavam. Mas, a arquitetura “funcional”, “’purista”, “racional” e “despojada”” que pretendiam, nada representava de original e criador.
Forma Livre
O caminho estava aberto. O caminho da forma nova que o concreto oferece e a arquitetura que preferia se estendeu pelo Brasil afora, cada vez mais rica e desenvolta, mais representativa do progresso da técnica construtiva.
É claro que essa opção exigia dos arquitetos maior sensibilidade e isso explica os aspectos negativos que surgiram pelo país. Era o preço inevitável da inovação que, nos bons exemplos, criou escola, invadindo outras arquiteturas e outros continentes. Basta lembrar sua influência irrecusável na obra de Le Corbusier, da qual usufruimos inicialmente, os melhores ensinamentos.
Influências
Ozanfant, seu amigo, comentou nas suas memórias que Le Corbusier, a partir de certo período, esqueceu o ângulo reto pelo qual se julgava tão responsável, influenciado por uma arquitetura barroca, vinda de fora com grande talento; Pevsner, no seu livro “Outline of European Architecture””, diz também que nos seus últimos projetos Le Corbusier seguiu o irracionalismo da arquitetura brasileira.
Hoje, passados tantos anos, as opções mais diversas começam a surgir, partindo muitas vezes de conhecidos e velhos defensores do purismo arquitetural. Todas na linha da liberdade plastica que Pampulha, 40 anos atrás, defendia.
Brasília
Quando iniciamos os projetos de Brasília, já se estabelecera entre nós e os técnicos do concreto armado, a unidade de pensamento indispensável. As antigas divergências, o rigorismo estrutural e os problemas de falsa economia estavam superados.
A Leveza Arquitetural
A leveza arquitetural que tanto nos entusiasmava era por todos compreendida e nela os técnicos do concreto — Joaquim Cardozo, inclusive — se integraram com entusiasmo. A ideia de reduzir apojos, seções de colunas, lajes e vigas; de vencer os grandes vãos livres; de utilizar a curva como uma das suas principais características os convocava.
O trabalho do calculista se fez mais importante e os arcos, as abóbadas, as cascas de concreto, as superfícies finas e ondulantes começaram a aparecer. Com que entusiasmo Joaquim Cardozo inclinava tetos e lajes para conseguir as espessuras solicitadas! Com que prazer me telefonou um dia: “Oscar, consegui a tangente que vai tornar a cúpula da Câmara dos Deputados solta sobre a laje, como você queria!”
E era tal o seu zelo e apuro em manter as seções fixadas que diante da sobreloja do Itamaraty de Brasília o engenheiro Nervi da Itália, não se conteve: “Projetamos na Itália uma ponte com 3 quilômetros de vão mas a laje desta sobreloja é tão fina que seu cálculo me parece até mais difícil.”
E a leveza arquitetural prosseguiu, influindo em todos os complementos da arquitetura, nessa busca de unidade que uma obra de arte requer. Não era uma invenção, nem simples fantasia. Palladio, por exemplo, organizava seus apoios em grupos de três colunas, desinteressado da lógica estrutural ou, é bom acrescentar, a simplicidade funcionalista. A elegância e a leveza arquitetural o atraíam e, como esse objetivo, não tinha vacilação nem compromisso.
E foi a liberdade de formas, a leveza arquitetural, que deu à nossa arquitetura, o aspecto próprio e característico que hoje apresenta, afastando-a inclusive da obra de Le Corbusier, voltada para a forma robusta, que preferia, projetando vigas onde uma simples laje resolveria, ou volumes que o concreto armado permitira muito mais finos. Como Palladio, era o espetáculo arquitetural que o atraía. Até o Nervi incorria em concessões semelhantes. No teto do auditório da UNESCO, o vigamento projetado era não indispensável. Mas ele assim o projetou, incluindo-o, habilmente, no esquema estrutural.
Síntese técnica-arquitetura
E foi, decididos como eles a procurar a beleza, e não a solução mais simples e funcional que o funcionalismo exigia, que projetamos os palácios de Brasília, suas estruturas variadas, seus apoios finíssimos e eles como que apenas tocando o chão.
A partir de 64 comecei a trabalhar no exterior e a ideia de justificar minha presença levou-me a uma arquitetura mais radical. Já não era a forma livre e variada que me bastava. Queria — quando possível — que meus projetos exprimissem o progresso da técnica e da engenharia em meu pais.
Especulação Técnica
E projetei os grandes espaços livres e os balanços enormes do edifício de classes da Universidade de Constantine, e na Itália, a sede Mondadori, com seus 5 andares suspensos nas vigas da cobertura. Minha arquitetura se fez então mais completa, mais técnica, integrada como desejava na ciência construtiva.
O Equívoco
Um dia diante dos palácios dos Doges, em Veneza, vendo suas colunas tão trabalhadas e o contraste esplêndido que criavam com a parede extensa e lisa que suportam, ocorreu-me esta observação: “Toda a forma que na arquitetura cria beleza, tem uma função definida”. E redigi este pequeno diálogo, socrático e irrecusável, tão claro que, mais uma vez me permito repetir:
“— Que você pensa do Palácio dos Doges?
— Muito bonito.
— E das suas colunas cheias de curvas?
— Belíssimas.
— Mas você não acha que elas poderiam ser mais simples e funcionais?
— Acho
— Mas se elas fossem mais simples e funcionais não criariam, sem suas curvas, o contraste esplêndido que estabelecem com a parede lisa e extensa que suportam?
— Isso é verdade.
— Então, você tem que aceitar que quando uma forma cria beleza ela tem uma função e das mais importantes na arquitetura”
E o equivoco surgia cristalino: Por que criticar as formas requintadas que o concreto permite, se em outros períodos elas são aceitas como entusiasmo? Por que criticar os vãos maiores, que o concreto oferece, quando diante da Cúpula de Roma todos se espantam e aplaudem seu vão de 42 metros? Por que recusar os requintes da arquitetura atual se nos palácios antigos ela era mais rica e elaborada, até hoje a todos entusiasmando? Como explicar tanta contradição?
Tudo começou quando os responsáveis pela arquitetura contemporânea utilizaram o funcionalismo para justificar a metamorfose plástica desejada. E o equivoco se estabeleceu. Um equívoco difícil de ser aceito, pelo menos por aqueles que nele se mantiveram durante longos anos.
Arquitetura e sociedade
Apenas no seu aspecto social a arquitetura me deprime. Sentindo como é discriminatória neste mundo injusto em que vivemos. Não se trata de um problema de arquitetura, nem mesmo da forma arquitetural. Trata-se de um problema social no qual a arquitetura não pode intervir, pois dele é simples resultante. Claro que só a mudança da sociedade lhe garantirá o conteúdo humano desejado e que não é na prancheta, mas na luta política que o arquiteto poderá atuar e contribuir.
A arquitetura mais “simples”, “ligada ao povo”, ““despojada” mais como alguns sugerem, denuncia apenas desinformação e oportunismo. Sem a mudança da sociedade, os programas arquiteturais continuarão os mesmos, alheios à miséria imensa que nos cerca, demagógicos e paternalistas, como dizia Engels.
Mas, quando a sociedade mudar, ”quando nossos tetos se unirem” a arquitetura servirá a todos e será mais bela e criadora, pois mais belo e criador será o mundo de amanhã.
OSCAR NIEMEYER
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Entrevista Lúcio Costa
Na evolução da arquitetura, ou seja, nas transformações sucessivas por que tem passado a sociedade, os períodos de transição se tem feito notar pela incapacidade dos contemporâneos no julgar do vulto e alcance da nova realidade, cuja marcha pretendem sistematicamente deter.
A cena é então invariavelmente a mesma: gastas as energias que mantinham o equilíbrio anterior, rompida a unidade, uma fase imprecisa e mais ou menos longa, até que sob a atuação de forças convergentes a perdida coesão se restitui, o novo equilíbrio se estabelece.
Nessa fase de adaptação a luz tonteia e cega aos contemporâneos — há tumulto, incompreensão: demolição sumária de tudo que precedeu, negação intransigente do pouco que vai surgindo — iconoclastas e iconólatras se degladiam. Mas apesar do ambiente confuso, o novo ritmo vai aos poucos marcando o acentuado de sua cadência, e o velho espírito — transfigurado — descobre na mesma natureza e nas verdades de sempre encanto imprevisto, desconhecido sabor, resultando daí formas novas de expressão.
Mais um horizonte então surge, claro, na caminhada sem fim. Estamos vivendo, precisamente, um desses períodos de transição, cuja importância porém ultrapassa — pelas possibilidades de ordem social que encerra — a de todos aqueles que o precederam. As transformações se processam tão profundas e radicais que a própria aventura humanística do renascimento, sem embargo do seu extraordinário alcance, talvez venha aparecer à posteridade, diante delas, um simples jogo de intelectuais requintados.
A cegueira é ainda porém tão completa os argumentos pró e contra formam emaranhado tão caprichoso, que se afigura a muitos impossível surgir, julgando outros simplesmente chegado — pois não perde a linha o pessimismo — ao ano mil da arquitetura. As construções atuais refletem, fielmente, em sua grande maioria, essa completa falta de rumo, de raízes.
Deixemos no entanto de lado essa pseudoarquitetura cujo único interesse é documentar, objetivamente, O incrível grau de imbecilidade a que chegamos — porque ao lado dela existe, já perfeitamente constituída em seus elementos, em forma, disciplinada, toda uma nova técnica construtiva, paradoxalmente ainda à espera da sociedade à qual, logicamente, deverá pertencer.
Não se trata porém, evidentemente, de nenhuma antecipação miraculosa. Desde fins do século dezoito e durante todo o século passado as experiências e conquistas, nos dois terrenos, se vem somando paralelamente, apenas a natural reação dos formidáveis interesses adquiridos entravou, de certo modo, a marcha uniforme dessa evolução comum: daí esse mal estar, esse desacordo, essa falta de sincronização que por momento se observa, e faz lembrar as primeiras tentativas do cinema sonoro quando, com a boca já falando, o som corria atrás.
Conquanto seja perfeitamente possível — como o provam tantos exemplos — adaptar a nova arquitetura às condições atuais da sociedade, não é todavia sem constrangimento que ela se sujeita a essa contrafação mesquinha.
Esta curiosa desarticulação mostra aos espíritos menos prevenidos quão próximos na verdade já nos achamos, socialmente, de uma nova “mise au point”, pois o nosso “pequeno drama” profissional está indissoluvelmente ligado ao grande drama social, esse imenso “puzzle” que se veio armando pacientemente peça por peça durante todo o século passado. E neste começo de século se continua a armar com muito menos paciência, não nos permitindo, as peças que ainda faltam, à segurança de afirmar se é mesmo de um anjo sem asas que se trata, como querem uns, ou, como asseveram outros, igualmente compenetrados, de um demônio imberbe.
Paira, com efeito, nos arraiais da arte — como nos demais — grande preocupação. Os grunhidos do lobo que se tem feito ouvir com desoladora insistência, correndo a propósito boatos desencontrados, alarmantes. A atmosfera é de apreensões, como se o fim do mundo aproximasse, cada qual se apressando em gozar os últimos instantes de evasão: escrevendo, pintando, esculpindo as últimas folhas telas ou fragmentos de emoção desinteressada, antes da opressão do curral que se anuncia com a humilhação do mergulho carrapaticida.
Em momentos como este pouco adianta falar à razão: não apenas porque nenhuma atenção será prestada a quem não grite, como porque alguém escutando muito se arrisca a ser vaiado. Ninguém se entende; uns, impressionantemente proletários, insistem em restringir a arte dos contornos sintetizadores do cartaz de propaganda, negando interesse a tudo que não cheire a suor; outros, eminentemente estetas, pretendem conservá-la em atitude equívoca entre nuvens aromáticas de incenso.
Como sempre, no entanto, a verdade não se vexa; além da benção do sorriso branco, todos tem o seu bocado no colo opulento e acolhedor da boa babá.
Ponhamos pois os pontos nos ii. E livre a arte, livres são os artistas. A receptividade deles é tão grande quanto a própria liberdade: apenas estoura distante um petardo de festim e logo se arrepiam, tontos de emoção. Esta dupla verdade esclarece muita coisa. Assim, todas as vezes que uma grande ideia acorda um pouco, ou melhor ainda, parte da humanidade, senão, propriamente, a humanidade toda, os artistas, independente de qualquer coação, inconscientemente quase, e precisamente porque são artistas, captam essa vibração coletiva e a condensam naquilo que se convencionou chamar obra de arte, seja esta de que espécie for.
Razões da Nova Arquitetura —1930
ATÉ POUCO ANTES DOS TRINTA EU ERA UM ALIENADO. TINHA RECEBIDO FORMAÇÃO ACADÊMICA, SEM PREOCUPAÇÕES COM PROBLEMAS SOCIAIS, MUITO EPICURISTA
Professor, antes do Ministério, como foi sua formação, como isso o levou ao Ministério?
LC – Até pouco antes dos trinta eu era um alienado. Tinha recebido formação acadêmica, sem preocupações com problemas sociais, muito epicurista. Casei cedo, com 28 anos, voltando da Europa. Mas, pela experiência profissional, fui percebendo que aquilo era coisa falsa, carecia de um sentido lógico, fui sentindo constrangimento em fazer aquela arquitetura eclética, coisa que eu sabia fazer.
Com a revolução de 30, Rodrigo Mello Franco de Andrade me convidou a dirigir a Escola de Belas Artes. Foi lá que me informei do movimento moderno, as idéias de Corbusier, etc. Uma vez, ganhou o prêmio de grau máximo (melhor trabalho de graduação) Wladimir Alves Sousa, e na época fiz constar em edital: “a diretoria respeita o concurso, mas considera o 2º lugar, de Affonso Eduardo Reidy, como o que expressa o espirito mais desejável.”
E o seu contato com Gregori Warchavchik?
LC —- O primeiro contato foi através da revista Para Todos, que publicou fotografias de uma casa dele em São Paulo. Quando diretor, convidei-o para dar aulas na escola. Ele estava construindo uma casa na rua Toneleros, não queria aceitar, tinha as obras, só poderia estar no Rio nos dias em que visitava a obra; eu disse está bem, e ele dava umas duas aulas, nos fins de semana.
Mas não foi uma experiência que deu certo. Só fiz desarrumar a escola. Certo que era um ambiente de formação ainda acadêmico, mas era organizado, desorganizou, desmoronou. Houve nessa época uma experiência muito boa na Belas Artes, que foram os ateliês integrados de pinturas e esculturas, levados pelo Leo Putz.
Quando esta experiência terminou, o Warchavchik me convidou para associar-me a ele, e abrimos uma firma: Warchavchik & Lucio Costa. Nosso escritório era no Edifício da Noite, aqui no Rio, funcionou durante um ano e meio, dois anos mais ou menos, mas ninguém queria projetos dessa arquitetura, e eu já não conseguia fazer a outra.
Nossa última experiência acabou em fracasso, uma casa para o Paulo Bittencourt, diretor do Correio da Manhã. Eles tinham um terreno no Largo do Boticário, lado direito de quem entra — uma casa antiga que eles queriam ampliar. Fizemos o projeto, foi aprovado, iniciamos a construção. O Warchavchik tinha um grupo de operários excelente, um mestre chamado Carlos, um italiano, tão bom que, como o terreno era ruim, construiu ele próprio um bate estacas de madeira para fazer as fundações, estacas também de madeira. Para verem como era diferente o clima na época, os operários não tinham onde ficar, eu morava na casa do meu sogro, no Leme, na frente de um porão enorme, e foram todos para lá até que se providenciasse casa para eles.
Mas a coisa não deu certo. De um lado, o proprietário queixando de falta de eficiência das firmas construtoras, do outro nós nos queixando da falta de verbas para quitar as contas que iam se acumulando. Surgiu uma briga muito séria, o negócio foi parar na justiça, o Prudentinho era nosso advogado para romper o contrato. Isso acabou com a firma.
Depois foram três anos mais ou menos, bem dificeis, porque aí estava numa situação em que não conseguia mais fazer a velha arquitetura, uma arquitetura que dominava. Fiquei conhecido como arquiteto acadêmico, eclético, e não conseguia, não queria. Eu queria fazer uma arquitetura à moda das novas normas arquitetônicas, e como todo novo crente era tido como muito intransigente; o resultado é que passei um período de miséria, quase não tinha dinheiro, ganhava mal, andei vendendo móveis, muitos móveis antigos, aquelas pratas todas, coisas de família.
O que me arrependo hoje, não por mim, mas minha filha costuma comprar, gosta dessas coisas. Época muito penosa, morando com meu sogro, até que um dia telefonou Manuel Bandeira, dizendo que o Capanema queria me ver, e ai começaram os problemas da construção do Ministério da Educação. Essa história é conhecida, o Drummond conta, vocês leram lá, está tudo conforme a lembrança que eu tinha dos fatos, no artigo “RELATO PESSOAL”, no primeiro número da segunda fase da Módulo (nº 40).
E como foi seu contato com Le Corbusier?
LC – Quando fui convidado para diretor da escola, nem sabia direito quem era o Corbusier; sabia que era um arquiteto deste movimento moderno, um negócio fora da minha cogitação. Passei a conhecer os seus trabalhos e já como diretor da escola estudei a fundo a obra do Corbusier, e fiquei muito impressionado com o vulto da coisa. De todos estes grandes arquitetos que se viu, era o único que fazia abordagem tríplice: do ponto de vista tecnológico — a nova tecnologia; do ponto de vista social — a preocupação dele era resolver alguns problemas, sempre encarou do ponto de vista de uma sociedade quase sem classes, de forma que as soluções não tinham a menor preocupação de categoria social.
À obsessão dele era dar um mínimo de conforto a todos, coisa que entusiasmava, e nas vésperas da guerra de 39 ele publicou aquele livro belíssimo, não me lembro o título, a capa tinha dois canhões, ele mostrando que era um contrassenso isto que nós estamos vendo agora, diariamente. Um contrassenso, um mundo todo concentrado em gastar, produzir armas, armas. Cada coisa dessa custa uma fortuna, e é para sucata, para destruir, mostrar e jogar fora. E naquela época, fazia um apelo para que aplicassem essa energia, esses capitais em obras para a sociedade necessitada, quer dizer, dois terços do mundo vivendo quase na miséria, e propunha concentrar esta produção dos países capitalistas industrializados, produzir para esta nova era, produzir habitação.
Ele ficava com aquelas proposições teóricas para todo o mundo, e nós reconhecemos agora que eram um pouco teóricas demais, né? Mas ele abordava nestes três ângulos, compreende? Do ponto de vista artístico, desculpem, este era o terceiro ponto. Fazer arquitetura de acordo com a tecnologia nova, resolver o problema social do ponto de vista da habitação, da cidade, isso é novo, mas isto de integração das artes na técnica, é copiado.
Tradicionalmente, a arte e a técnica são solidárias, porque o artesanato do operariado antes da revolução industrial produzia tudo manualmente, serralheiros, carpinteiros, pedreiros, todos participavam, no estilo da época, era uma coisa viva.
A personalidade da obra de Corbusier era abrangente, ao passo que os outros todos, Mies Van der Rohe, Gropius, todos os outros, eram arquitetos, cada um dava o seu recado de acordo com sua lição pessoal. Todos contribuíram com elegâncias de solução, com aquele acúmulo da tecnologia, modernamente metálica.
Mas Corbusier não. Era coisa bem diferente, apaixonante, ele com aquela facilidade de expressão que tinha, extraordinária, as conferências dele eram fantásticas, sempre com casa cheia, um entusiasmo contagiante. Agora, quando ficam esnobando a obra dele, é um absurdo.
Falemos daquela fase puritana da sua arquitetura — você examinando a obra dele, vê que houve um período purista, digamos, no sentido da nova tecnologia. Aquela fase toda das casas, até o Ministério da Educação, de uma arquitetura muito apurada, mais despojada, muito racionalista. Mas depois da guerra passou a fazer outra coisa, exemplo admirável é a capela de Ronchamps.
Parece à primeira vista que está dando as costas a tudo que fez antes. É a maneira de conceber e dispor o espaço, uma arquitetura dinâmica, aparentemente outra concepção, mas com a mesma força que ele imprimia a tudo que fazia. Ali ele entra com o elemento paixão, e na outra, aquela arquitetura racionalista, arquitetônica e plasticamente pura (que a plástica nele era parte quase que orgânica); nesta fase ele dedicava as manhãs a pintura, só ia ao atelier à tarde, de modo que sua parte passional, dramática, digamos, extravasava nas composições plásticas que fazia, nas pinturas, tapeçarias, obras admiráveis. Depois, uma segunda fase, esta parte passional, digamos, se fundiu com a arquitetura. A capela de Ronchamps é uma concepção, é uma beleza aquilo.
E uma sensação indefinida, que eles chamam “Vespace indicible”. Na orientação racional, renascentista, nas concepções e composições arquitetônicas você aprende claramente o que se propõe, tudo é tão claro, tão leve, como a capela do Brunelleschi em Florença. Sempre apreciei Brunelleschi, sua arquitetura violentando toda aquela tradição gótica que invadiu um pouco a Itália, ele com suas proporções, tudo geométrico, linhas claras, são formas puras. E no caso de Ronchamps, é o espaço indizível, quer dizer, você entra, não percebe o que está acontecendo, vai sendo conduzido, uma parede’o leva para um lado, você é envolvido por aquele espaço. É a concepção barroca. Ele, como todo francês, tinha horror ao barroco. Agora não, já estão mudando, mas o barroco sempre foi considerado na França um pecado mortal. Daí, a própria expressão, uma pérola defeituosa. Mas Ronchamps era esta coisa linda, traço forte, construção robusta, você é envolvido, seduzido e conduzido no espaço, vê aquelas coisas acontecendo, uma arquitetura que vai acontecendo.
Me lembro que Marseille assustou muito depois da guerra. Nós arquitetos estávamos habituados aquele tipo de quartinho de vila, aquela arquitetura
assim magra, suportes delgados. De repente, aquela arquitetura nova, brutalista como chamada na Inglaterra. Este brutalismo virou moda, concreto aparente usado com certo excesso, não propriamente estrutural. O brutalismo era ma uma ostentação, uma de presença excessiva.
Outra corrente, a erudita, digamos, usa o concreto de forma mais delgada, elegante e leve, exigindo mais das possibilidades da armação, aumentando a proporção de ferragem, e aí o Oscar leva ao extremo, quer forçar, levar essa solicitação de esforços a um limite máximo. Como sempre é possível o sujeito consegue, mas fica aquela quantidade de ferros, às vezes mal dá para jogar o concreto: ferragem à milaneza. E solicitação demais, compreende? E para dar depois aquela sensação de suspenso livre, coisa que ele gosta mas exige demais da estrutura, ele força.
O senhor se interessou simultaneamente por patrimônio histórico e urbanismo ou uma coisa puxou a outra?
LC – Voce perguntou o que eu fiz na direção da escola, daquela fase até o Ministério da Educação. Eu expliquei mais ou menos, passei fome, não
tinha dinheiro para comprar as coisas necessárias, passei fome. A experiênca do ministério, eu conto lá no “Relato Pessoal”, na Módulo, vocês devem ler.
Nesta fase do ministério, o Rodrigo Franco e o Mário de Andrade criaram, com ainsistenciado Capanema, o Serviço do Patrimônio Histórico; o Mário de Andrade elaborou os programas. Depois Capanema convenceu o Rodrigo a ser diretor no novo Ínstituto do Patrimônio Histórico Nacional. Nesta época eu não participei, o Rodrigo convidou o Carlos Leão, Paulo Barreto e outros arquitetos e eu comecei a ter contato com o Patrimônio quando o Rodrigo me pediu para ir, em 37, ao Rio Grande do Sul porque aquelas ruinas de São Miguel estavam desbando, a torre estava caindo. Fiz um estudo para um pequeno museu, aproveitando em parte o material das ruínas no espírito daquelas casas e índios. Aí entrei então de fato em contato com o Patrimônio. Desde então fiquei como consultor, não funcionário efetivo do Patrimônio, mas contratado para dar assessoria ao Rodrigo. Porém a atividade toda, a criação toda era do próprio Rodrigo, apenas servi de apoio, me consultava quando queria e assim foi indo, até que numa das reformas do Patrimônio tive que ficar como diretor da Divisão de Estudos do Tombamento. Falei com ele (Rodrigo) que ficaria apenas formalmente porque preferia ficar como antes, assessorando quando ele precisava. Em 1972, completei 70 anos e fui aposentado com 4 $1.700,00…
Qual o seu primeiro contato com Minas?
LC – Meu conhecimento com Minas, começou com Diamantina em 22. Diamantina nessa época era muito longe, levei 30 e tantas horas para chegar de trem, exausto, e foi uma surpresa. Estava com ideia de que Diamantina fosse nos moldes de Ouro Preto, barroca, mas tudo é pau a pique com exceção da porcaria daquela pé, demoliram a Sé antiga, que era macabada e fizeram outra à maneira de Ouro Preto, barroca, pesada, não tem nada com Diamantina. Aquilo, pra mim foi uma revelação, a pureza daquela arquitetura, fiquei impressionado, foi meu primeiro contato com arquitetura mineira. Depois fui pra Europa e em Roma estive adoentado. Cismaram lá que eu estava doente do pulmão e me internaram num sanatório um pouco fora de Roma, tinha umas freiras que tomavam conta do sanatório (telefone)
LC – … Ah, bom, nós estávamos no sanatório. Fiquei li uns dois ou três meses, mas resolvi voltar para Paris, onde me indicaram parar em San Remo
onde tinha um famoso especialista em doenças pulmonares. Fui lá, o consultório cheio de gente, e ele examinou: “Non sei niente, non sei niente, você teve uma gripe forte, na realidade não teve nada, não se preocupe”. Mas fiquei com aquele peso, quando voltasse iria me casar com Leleta, fiquei com aquela preocupação, o risco de casar em condições assim. Resolvi então passar uma temporada em Minas antes de casar, e conheci o Botafogo Gonçalves, pessoa muito simpática, que me falou do Caraça. Escreveu uma carta e com ela fui bater ld. Era bonito, antigamente subia-se de camionete no meio da mata. Os padres foram muito simpáticos. O Caraça funcionava, era ainda colégio, os meninos todos de batina, passei lá mais ou menos 40 dias. Era engraçado porque eu almoçava no refeitório, numa mesa grande, junto com os padres e alunos. Faziam vinho no próprio local, e atrás, na parede tinha a ceia do Athaide, a famosa ceia do Athaíde, e eu tão alheio, já disse, era tão alienado, que não me lembro desta ceia. Passado o tempo, sabia que tinha uma pintura ali atrás, mas não que tinha tanta importância. Depois vim a saber que era Athaide, vi a fotografia, mas era engraçado. ..
ASSIM COMO A MORTE DO CORBUSIER FOI UM ALÍVIO PARA TODO MUNDO, O FATO DE BRASÍLIA TER SIDO CONSTRUIDA FOI UM ALÍVIO PARA TODOS OS ARQUITETOS QUE FINALMENTE SE LIVRARAM DAQUELE PESADELO, DAQUELA ARQUITETURA MODERNA QUE VINHA DESDE 36 ATÉ BRASÍLIA.
O senhor sabe que foi incendiada a ala da biblioteca. Eram 40.000 volumes e salvaram-se 12.000. O fato é que fizeram uma comissão, e este seu comentário é importante, como subsídio para esta comissão — são amigos do Caraça que pretendem recuperá-lo.
LC – Queimou uma parte nova. Vocês conhecem o Caraça? Tem aquela escada estupenda de pedra sabão e na chegada aqueles dois corpos, não é? A biblioteca era no corpo da esquerda, mas quando houve o incêndio já não estava mais ali, tinha sido transferida para trds, onde queimou. À parte antiga mesmo não sofreu nada, está lá. O que sofreu foi do século 19. Foi aquele arquiteto que construiu — presumo que seja o mesmo que fez aquela igreja gótica que tem na praia do Botafogo, Nossa Senhora da Conceição, o estilo é um pouco parecido com o do Caraça. Mas foi maldade porque o Caraça então tinha uma capela esplêndida, antiga, tinha até um risco antigo que documenta esta capela, meio grotesco mas um documento, acho que tinha a porta em arco. Era uma capela barroca, integrada no conjunto. Como aqui no Rio, onde os padres holandeses, destruíram o Mosteiro de Santo Antônio, a igreja toda. Este negócio de civilização é muito relativo. Vem uns sujeitos da Europa para cá, uns civilizados europeus: não gostaram daquele barroco, venderam os azulejos para o Martinelli que fez deles barras de marmorite. Alteraram e desfiguraram a fachada, fizeram barbaridades. Mas lá o francês fez uma bonita igreja no famoso estilo gótico ficou bonito do ponto de vista paisagístico, aquela coisa central dominando, aquela flecha. A capela barroca era uma coisa bem discreta.
Mas aquela escadaria em pedra sabão é uma beleza, muito bonita!
…Mas vocês estavam interessados em depois de Brasilia:
Assim como a morte do Cobusier foi um alívio para todo mundo, o fato de Brasília ter sido construída foi um alívio para todos os arquitetos que finalmente se livraram daquele pesadelo, daquela arquitetura moderna que vinha desde 36 até Brasília. Agora é preciso esclarecer: esta arquitetura que ocorreu desde a época do Ministério se deveu fundamentalmente a Oscar Niemeyer. Sem o Oscar não teria havido esta arquitetura que surpreendeu os países europeus, a América do Norte, Japão, depois de um período de matança, de guerra, de destruição sistemática, bombardeios, bomba atômica. Enquanto isso construiu-se aqui o Ministério da Educação, e o Oscar, convidado pelo Juscelino, fez a Pampulha. Ele surgiu como arquiteto durante a construção do Ministério, onde sua contribuição foi fundamental, e na oportunidade oferecida em Minas, de fazer a Pampulha, ele se revelou uma personalidade fora de série. O movimento da arquitetura dita brasileira contemporânea, no fundo, é Oscar Niemeyer. O resto era arquitetos que aco mais ou menos o que ele fazia: o Reidy, esse, aquele outro, todos mais ou menos dentro do esquema, naquela tendência de querer renovar um pouco a arquitetura mais racionalista que havia anteriormente com esse novo elemento que dava uma certa graça, como nenhum dos grandes arquitetos anteriores havia contribuído, com elegância, um certo charme.
Então ficou um receituário que compunha arquitetura. Simultaneamente, toda a mediocridade que o havia acompanhado começou a fazer caricatura daquilo que ele fazia. Não só arquitetos medíocres, mas construtores e engenheiros; foi ficando um maneirismo, querendo imitar, aquele negócio com colunas em V, telhados de duas águas, uma série de coisas foram se repetindo, foram se espalhando pelo pais. Isto chocava muito, arquitetos estrangeiros, que vinham à procura das coisas verdadeiras, antes de ver as obras autênticas, qualificadas, viam tanta coisa imitando, medíocre, e aquilo foi chateando um pouco, desgostando.
Por isso quando o Oscar escreve, fala “nós isso, nós aquilo”, ele está falando é dele, a “arquitetura brasileira”, é a arquitetura dele, do que ele fez, do que faz, porque é um fato, uma realidade, ele está dizendo a verdade de uma forma como se fosse modesta: “nós, a arquitetura brasileira”. Brasília foi um periodo, digamos, uma nova etapa da arquitetura do Oscar. Em Brasília, como vocês diziam, a arquitetura criou paisagem. Porque naquele cerrado, naquele horizonte, você tem o céu, nuvens, o horizonte, mas não tem paisagem propriamente. A paisagem foi criada pela arquitetura.
E o urbanismo?
LC – 4 parte do urbanismo é minha, naturalmente , claro. A parte urbanistica propiciou, criou oportunidade para uma série de manifestações integradas
naquele esquema, A arquitetura criada pelo Oscar ali foi de fato uma nova etapa. Mas acho errado dizer como se fôsse o encerramento, virar uma página, porque prossegue. Basta ver o que anda fazendo depois de Brasilia, em Milão, em toda parte, na Algéria, está sempre fazendo obras inovadoras; aquele edificio, ki em França, do Partido Comunista… Agora, os arquitetos brasileiros, — afinal de contas são muitos os que tem capa- cidade e vem produzindo — eles também já se libertaram da presença da arquitetura do Oscar; não só se libertaram como a encaram como coisa que não desejariam fazer. Querem partir prá outra, mas as outras que estão desejando se integram no que se faz no mundo todo. Quer dizer, são fenômenos que estão ocorrendo no formado, com sentimento de brasileiro, natural, sem afetação (tudo que é bem brasileiro tá bem imbuído do simples, seja mineiro, paulista, nordestino, carioca), evidentemente, a solução que der aos programas será uma solução interessante, e com o correr do tempo se tornará nativa. Mas é difícil, né? Porque realmente os arquitetos são estimulados para serem gênios, para inventar. Então, o sujeito fica inventando demais, o próprio Oscar foi culpado disso. A medida que uma coisa já foi feita, os senhores fazem uma coisa parecida com aquela? Não, aquilo já foi feito, é ultrapassado, tem que bolar outra coisa, né? Ora, a verdadeira arquitetura, o verdadeiro estilo de uma época, sempre esteve na repetição. O apuro das coisas repetidas caracterizou sempre o estilo do passado; é uma invenção unânime do meio social, uma determinada direção; quer dizer, sendo resolvida a cas, não custa nada, que outra seja semelhante aquela, apenas com mais apuro, tal e coisa, uma série de coisas que personalizam, individualizam aquela cas, mas dentro de uma certa uniformidade de estilo, é disto que foi feito o estilo da época, de um país, de uma região : é essa uniformidade.
Agora, quando surge um tema excepcional, é natural que o arquiteto brilhe de fato, mostre as qualidades de “prima dona”, de arquitetos mais dotados, não é? terão oportunidade de fazer coisas com características excepcionais, diferenciadas, não é? Mas essa coiss de achar: já foi feito, você estd imitando, e tal, isso é bobagem, acho é que devia, enquanto a solução for válida, o programa o mesmo, e a intenção for a mesma, tudo bem. Agora se muda a intenção por circunstâncias várias, a coisa então muda de fato.
Brasília hoje é uma cidade adulta, eu não posso pretender criticá-la se não vou kí, não participo. Teria obrigação de ir lá, permanentemente para poder reclamar de alguma coisa, mas não vou, e é natural que a cidade tenha sua vida. Mas apesar de tudo, o que sobrou me satisfaz. A Barra? também tem características que apesar do mau efeito que causa à primeira vista, com o tempo acho que vai dando aquela ideia definida pelos núcleos de quilômetro em quilômetro. uma oportunidade para os arquitetos que já não tinham como fazer casas. .. No meu tempo começava-se fazendo casa, projetando casa, hoje em dia é difícil… A Barra deu esta oportunidade. Fora os edifícios de apartamentos, concentrados em determinados pontos, o resto é casario, de modo que é a oportunidade do arquiteto retomar o programa tão sedutor, fazer a cam… À casa pode ser pra gente introvertida e prá gente extrovertida, portanto a casa pode ser resguardada, muito fechada, ou acolhedora com varandas abertas, aquele tipo do temperamento extrovertido. . . Estas duas opções assim conforme a pessoa, O morador, dão oportunidade de fazer coisas tão simpáticas, o arquiteto sentir como se vive nesta casa. Mas geralmente ficam com preocupações de telhado assim, telhado assado, é uma ginástica, fazem um esforço para fazer uma casa.
(RISOS)
participaram das entrevistas:
Álvaro Hardy Maurício Andrés
Éolo Maia Paulo Laender
José Eduardo Ferolla
agradecimentos pela transcrição das gravações a:
Ana Beatriz Campos Sandra Nankran
Ana Maria Schmidt Tahis Canfora
Angélica Rodrigues Silva
Freuza Zechmeister
Mariza Machado Coelho
Miguel Vorcaro
Raul Abujamra
Rogério Magalhães
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